Discriminação no consumo: saiba seu direito

Discriminação no consumo: saiba seu direito

O mercado gera discriminação no consumo. Conheça os seus direitos e algumas histórias que acontecem no rotina de mercado

Racismo, gordofobia, homofobia e preconceito com pessoas com deficiência, entre outros, são atitude que geram também discriminação no consumo. Estes comportamentos ainda estão presentes nas relações de comécio no dia a dia.

Segundo o levantamento Discriminação nas Relações de Consumo – Percepção do Consumidor 2023, da Fundação Procon-SP, 24% das pessoas, de 2.661 entrevistadas, afirmaram ter sido discriminadas em alguma relação de consumo. Entre elas, a maior parte declarou ter sido por condição financeira (39,44%), seguida por raça/cor (29,66%), mulheres (10,56%), LGBTQIA + fobia (7,45%), nacionalidade (5,59%), pessoa com deficiência (4,81%) e etarismo (2,48%).

“Existe uma condição social que é analisada pelo varejista e pode se voltar ainda mais para esses grupos que já sofrem preconceitos, como pessoas negras ou com deficiência. Muitas vezes, o consumidor tem o dinheiro para comprar, mas já há um olhar sobre ele, que pode ser até inconsciente da parte de quem o está discriminando, porque é algo que está, de forma estrutural, na sociedade”, avalia a antropóloga do consumo Carla Barros, professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF).

O administrador de empresas Ricardo Maia, de 35 anos, é cadeirante e passou por isso numa loja de um shopping em Jacarepaguá, bairro do Rio de Janeiro. “Eu queria comprar uma caixinha de som, tinha o dinheiro, mas fui ignorado pelo vendedor”, lembra.

Custo do ‘pedágio social’

Por outro lado, um estudo da FGV Ebape – Escola Brasileira de Administração Pública de Empresas, em parceria com a francesa Iéseg School of Management, aponta que o medo da discriminação faz com que consumidores de baixa renda prefiram comprar em lojas com público da mesma classe social — ainda que o produto seja mais caro do que em outros lugares mais elitizados.

Realizada entre 2017 e 2022, a pesquisa contou com a participação de 1.936 moradores do complexo de favelas da Maré e da zona sul do Rio de Janeiro, e denominou de “pedágio social” o custo adicional que se paga para ter acesso aos mesmos bens e serviços e se evitar o preconceito em ambientes comerciais. Muitas vezes, porque grandes redes de mercado costumam estar fora de favelas, assim como serviços bancários formais.

De acordo com Yan Vieites, professor assistente da FGV Ebape e um dos autores da pesquisa, os estudos também mostram ser possível contornar essa situação: “Ao enfatizar valores relacionados ao igual tratamento de todos os consumidores e/ou à apreciação da diversidade, é possível reduzir a preocupação com a discriminação entre os consumidores mais pobres, que se sentem desconfortáveis em comprar em ambientes comerciais vistos tradicionalmente como atendendo apenas aos mais ricos”.

Amparo em diversas legislações

Mas é preciso ficar claro como a legislação brasileira entende os processos de diferenciação nas relações de consumo e onde estão os seus limites. “O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não traz, explicitamente, menção à diferenciação no consumo, com exceção da novidade introduzida pela Lei do Superendividamento, em 2021, que proíbe pressionar o consumidor a contratar serviço de crédito, principalmente idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada. Além disso, o decreto, publicado em 2006, regulamenta o CDC sobre a precificação de produtos e serviços, proibindo a atribuição de valores distintos para um mesmo item”, ressalta Adriano Fonseca, especialista em Defesa do Consumidor da PROTESTE.

Em caso de discriminação, há outras normas que amparam o consumidor legalmente. A Lei 7.716/89, que define os crimes de preconceito de raça ou cor, indica pena de reclusão de um a três anos para quem recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a atender ou receber cliente ou comprador com base em preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Em caso de ofensas, a reclusão pode variar de dois a cinco anos, além de multa. “Desde 2019, a norma também passou a ser aplicada aos casos de homofobia, quando, por exemplo, a recusa no atendimento é decorrente da orientação sexual do consumidor”, esclarece Adriano.

Com base nessa lei, o engenheiro de produção Breno Teixeira, 25 anos, entrou com uma ação contra um bar em São Luís (MA), pedindo danos morais. “Eu e um amigo fomos surpreendidos quando a garçonete nos avisou que o dono do bar estava incomodado com a nossa presença e não queria a gente ali”, relata.

Segmentação e discriminação

A diferenciação no mercado está relacionada com movimentos sociais, acadêmicos e mercadológicos que passaram, por volta da década de 80, a entender o fenômeno do consumo dentro de uma sociedade com culturas diversas. Para se distinguir a segmentação da discriminação, o primeiro olhar é o de um movimento de reconhecimento da diversidade pelas empresas criando nichos específicos de produtos e serviços – lojas de beleza negra, roupas para pessoas gordas, acessórios para pessoas com deficiência, entre outros. “E isso foi importante para essas populações que querem consumir e ter a sensação de pertencimento”, explica Carla.

Ela enfatiza que a antropologia tem uma máxima que é reconhecer o outro, quem é diferente de mim, sem desqualificá-lo. “Já na discriminação, o consumidor é diminuído por conta de sua renda, cor, gênero, orientação sexual, procedência nacional e idade. Como se ele não pudesse estar ali, ter acesso. E, nas lojas, as pessoas são discriminadas por olhares muito sutis. A ideia que fica na cabeça dos consumidores que estão sofrendo discriminação é de que ‘isso não é para mim'”, complementa.

Adriano, da PROTESTE, concorda: “A diferenciação que, baseada nessas características, tem como objetivo criar tratamentos inferiorizados aos demais consumidores deve ser entendida como discriminatória”.

Olhares sutis ou camuflados

A pesquisa do Procon-SP também descobriu que, pelo menos, ¾ dos entrevistados perceberam a discriminação como sutil ou camuflada.

Betty Wainstock, sócia da Ideia Consumer Insights e professora da ESPM, confirma que, muitas vezes, os vendedores ou profissionais de segurança disfarçam esse tipo de postura. E que, em outras ocasiões, o preconceito é praticado de forma inconsciente, com frases ou palavras empregadas de forma inoportuna porque fazem parte da maneira de se expressar de determinadas pessoas que não possuem conhecimento, mesmo que básico, sobre o tema “Por isso, muitos consumidores acabam não reagindo por falta de provas contundentes que possam indicar uma real discriminação”, diz. É o caso da professora Ana Vitória, que nunca denunciou o racismo sofrido no comércio: “Eu ainda me sinto vulnerável quando isso acontece por ser difícil provar”.

E os números da pesquisa do Procon-SP ainda indicam que a maior parte das situações se dá pela recusa ou demora no atendimento. A cabeleireira Carlla Rodrigues, mãe do pequeno Heitor, de 5 anos, que tem autismo, passou pela situação. “Nós fomos a uma loja de utensílios para casa e ele já estava um pouco irritado. Então, a gente pegou o item que precisava e foi direto para o caixa preferencial, mas não tinha ninguém para nos atender”, conta.

O especialista da PROTESTE reforça que a Lei 14.364/22 garante atendimento prioritário para acompanhantes de pessoas com deficiência, idosos, gestantes, lactantes, pessoas com crianças de colo e obesos.

E os constrangimentos no consumo também têm relação direta com o estigma social da aparência quando as pessoas estão acima do peso, por exemplo. De acordo com a pesquisa Obesidade e Gordofobia — Percepções 2022, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e a Sociedade Brasileira de Metabologia e Endocrinologia (SBEM), 85,3% das pessoas consideradas obesas no Brasil já passaram por situações de gordofobia. A modelo goiana Bibi Tomais, de 26 anos, sabe bem o que é isso: “Nós sempre passamos por constrangimentos em lojas de moda que não são específicas plus size”.

Valorização e boicote

A pesquisadora de mercado Betty Wainstock lembra que estudos comprovam que os consumidores estão mais propensos a adquirir produtos e serviços de marcas que mostram diversidade nos anúncios, enquanto outros boicotam empresas quando não se sentem representados nas propagandas ou por causa de suas inconvenientes ações em termos de pluralidade. Ela reforça que, apesar de muitas campanhas abordarem a luta contra o preconceito publicamente, ilustrando suas peças publicitárias na diversidade, na prática, isso nem sempre se reflete nos pontos de venda e na inclusão desses profissionais em posições de liderança dentro das organizações.

A antropóloga Carla complementa: “É necessário haver conscientização de empresas que estão excluindo uma parte dos consumidores e que precisam promover treinamentos de qualificação para buscar a diversidade no atendimento nas lojas”.

O alinhamento da linguagem com as ações é indispensável. “As empresas também precisam criar espaços acessíveis e fazer parcerias com organizações especializadas em cada pilar que envolve a diversidade para que as ações sejam constantes e assertivas, já que têm a oportunidade de liderar essa mudança e de se beneficiarem não apenas fortalecendo a sua marca corporativa e fidelizando seus consumidores, mas também em termos de resultados financeiros. Não pode haver tolerância para a discriminação, precisamos construir juntos uma sociedade mais inclusiva”, finaliza Betty.

Principais legislações

Conheça as leis que determinam os direitos dos consumidores em relação à discriminação no consumo de produtos e serviços:

  • O Código de Defesa do Consumidor proíbe a recusa ao atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque; a elevação sem justa causa do preço de produtos e serviços; e a publicidade abusiva, que tenha natureza discriminatória.
  • A Constituição Federal determina como objetivo do Brasil promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
  • A Lei 7.716/89, que define os crimes sobre preconceito de raça ou cor, indica pena de reclusão de um a três anos para quem recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a atender ou receber cliente com base em preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Desde 2019, passou a ser aplicada também aos casos de homofobia. Além disso, traz crimes relacionados a impedimentos em hospedagem, matrículas em escolas, restaurantes e bares e transportes públicos. As penas variam entre prisão, multas e outras sanções.

O que fazer

Os consumidores que se sentirem discriminados nas relações de consumo podem tomar medidas para buscar reparar todos os danos sofridos. Confira que isso pode acontecer em várias esferas:

  • Em campanhas de marketing direcionadas, caso a comunicação desenvolvida tenha cunho discriminatório nos termos acima, o consumidor poderá alegar violação a direito difuso da coletividade de consumidores.
  • As delegacias de proteção ao consumidor e os Procons podem fiscalizar a existência de publicidade abusiva de alguma natureza, cabendo diversas sanções ao estabelecimento, que vão da indenização material ao seu fechamento.
  • No caso de discriminação com um consumidor determinado, seja numa recusa ao atendimento, seja outra forma de tratamento desigual com conotação negativa, muitas vezes, trata-se de crime.
  • Nessas situações, o consumidor pode buscar a Delegacia de Polícia para registrar um boletim.
    O ideal também é procurar um advogado de confiança, para entender as responsabilizações que podem ser realizadas, seja ao funcionário que cometeu a discriminação ou ao responsável pelo estabelecimento, dependendo da situação ocorrida.

Histórias

Conheça algumas histórias sobre discriminação no consumo.

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