Publicidade infantil: de olho na oferta
A exposição à publicidade infantil abusiva pode gerar problemas como consumismo e baixa autoestima em crianças e adolescentes.
Mês de outubro e ,com ele, a enxurrada de propagandas de produtos direcionados ao público infantil. Elas estão até disfarçadas, já que a legislação brasileira coíbe a publicidade abusiva, mas a propaganda infantil está lá. Independentemente da situação pontual, em qualquer período, os responsáveis por crianças e adolescentes devem ficar atentos.
Hoje, a publicidade se estende muito além da televisão e impressos. Ela está presente em todos os meios digitais, como redes sociais e jogos eletrônicos. Por exemplo, quando o usuário precisa assistir a uma propaganda para concluir ou mudar de fase em um jogo no celular.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), crianças chegam a ficar, em média 5h30, por dia, diante da tela da TV. É aí que mora o perigo, pois a exposição prolongada à publicidade infantil pode acarretar vários problemas, como consumismo, estresse e, inclusive, afetar a autoestima. “Até água em excesso faz mal, então a propaganda, assim como o uso de tela, precisa ser dosada. Crianças, a partir dos 7 anos, só devem ficar uma hora, no máximo, por dia, exposta a telas. Antes disso, a tecnologia não é recomendada”, alerta a neuropsicóloga e psicóloga clínica Amanda Bastos, CEO do Centro Terapêutico Psicologia em Família. Veja entrevista na íntegra, no fim do artigo.
Leis protegem crianças e adolescentes
No Brasil, não há uma lei específica direcionada à publicidade infantil, mas sim um conjunto de normas que limitam o conteúdo de campanhas e a participação de crianças e adolescentes.
Estas estão elencadas na Constituição Federal (art. 227), no Código de Defesa do Consumidor (art. 37), no Estatuto da Criança e Adolescente (art. 71), na Resolução N° 163/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente (Conanda) e no Decreto N° 99.710/1990 da Convenção sobre os Direitos das Crianças da Organização das Nações Unidas (ONU). Todas deixam claro que as crianças são seres em desenvolvimento e precisam de proteção específica.
O tema, ainda hoje, gera discussões, tanto entre o setor público como entre as organizações não governamentais que atuam em defesa da infância e dos consumidores, algumas até reivindicam a proibição total.
Controle externo é necessário
A proteção não é à toa; há uma explicação fisiológica. Do zero aos 18 anos, o cérebro ainda não está completamente formado, faltando a maturidade da região que controla os impulsos (córtex frontal). “Por isso que, numa plataforma de vídeos, na qual, às vezes, a cada minuto de conteúdo, há uma propaganda, o adulto, que já tem controle inibitório, fica irritado; a criança, não. Ela fica entretida, principalmente quando a publicidade é direcionada a ela, tende a pesquisar a informação e fica lembrando daquilo, porque também não limita muito o pensamento inclusivo. Daí que a publicidade precisa ser dosada”, explica Amanda.
Sem domar os impulsos, a criança passa a desejar intensamente o produto ou serviço anunciado. “Por ainda não ter o controle inibitório, ela não consegue flexibilizar um pensamento mais racional, como o adulto, e entende que nunca mais terá acesso àquele item, se não for na hora. O ‘quero porque quero’ não é só birra (risos); é fisiológico, pois, realmente, a criança não entende a dificuldade”, diz Amanda. “O cérebro da criança e do adolescente não consegue se autorregular, precisa de um regulador externo, que é a família ou quem gerencia a vida deles”, complementa.
Abusos devem ser denunciados
Aos responsáveis, portanto, cabe ter atenção ao tempo de exposição e ao conteúdo veiculado, pois o menor pode estar diante de uma publicidade abusiva, não perceber e, pior, se deixar levar. Então, é preciso ficar de olho, por exemplo, em propagandas que coajam a criança a comprar algo para não se sentir inferior, promovam a erotização e adultilização precoces ou mencionem produtos impróprios para a faixa etária, como bebidas alcoólicas e armas.
Ao detectar alguma publicidade infantil abusiva, o consumidor pode encaminhar uma denúncia ao Ministério Público, aos Procons, ao Ministério da Justiça, às Defensorias Públicas, à Secretaria Nacional do Consumidor ou ao Ministério da Educação (se for em escolas). De acordo com a PROTESTE, o ideal, porém, é solicitar à empresa o fim da comunicação mercadológica, por meio do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), e registrar uma reclamação nos perfis das empresas em redes sociais. Se não adiantar, pode ser feita uma notificação formal, com o objetivo de conscientizar a empresa sobre os prejuízos causados pela peça publicitária e, assim, levá-la a se comprometer a solucionar o problema.
Por que o excesso de publicidade infantil deve ser evitado?
A maturação do cérebro só termina por volta dos 18 anos ou, quando um pouco mais tardiamente, até os 21. E a última parte a amadurecer é o córtex frontal, próxima à região da testa. É ali que a flexibilidade cognitiva, ou seja, as crianças e adolescentes não têm essa parte desenvolvida.Por esse motivo, eles costumam ser mais impulsivos. Além disso, na infância, não se consegue a monitoração de certos comportamentos. Então, “se o meu amiguinho tem, por que eu não tenho?” Podem cair no consumismo. Quer isso, depois aquilo, e assim por diante.
Quais os prejuízos neurológicos que podem ocorrer ao expor uma criança massivamente à publicidade?
Percebemos no consultório, e em alguns apontamentos e discussões no meio acadêmico, uma redução no tempo de manutenção atencional, ou seja, a atenção concentrada (em um único foco) tem estado prejudicada. A gente ainda não sabe qual será o efeito disso a longo prazo, se elas vão desenvolver essa função cognitiva tardiamente ou se haverá uma adaptação cerebral na geração que está amadurecendo agora. Ainda não há estudos longitudinais. Mas o que estão apresentando, muito precocemente, é a atenção dividida (em muitos pontos).E a propaganda faz isso, com vários estímulos pulando em sequência, luzes, cores etc.
Qual o problema da atenção dividida?
Nenhum, é bom tê-la. A gente precisa de vários tipos de atenção e todos são importantíssimas. O problema é que, quando deixo a criança em uma única coisa, ela tende a ficar estressada, irritada, e não consegue manter o foco intencional. Ao ler um texto, por exemplo, precisa-se da atenção concentrada, para a compreensão. Superestimular a atenção dividida acaba debilitando a concentrada, e ela é usada para resolver um cálculo matemático, responder uma pergunta numa prova… Não se pode perdê-la.
Por que a publicidade infantil pode criar adultos consumistas?
Quando tem o desejo atendido de imediato, a criança pode aprender que essa é a única forma de ativar a área do cérebro do circuito de recompensa, que gera satisfação. Isso pode desenvolver o transtorno do exagero na idade adulta, que seria o consumo excessivo de álcool, alimentos, de compras… Isso não ocorre com todas, mas, se tiver uma predisposição genética a um transtorno psiquiátrico, pode vir a desenvolver o consumismo, porque há também a interferência dos fatores ambientais, e o excesso
de propaganda é um deles.
E o contrário, quando os responsáveis não podem satisfazer a criança, até por uma questão financeira?
Aí, pode gerar um sentimento de desvalia a longo prazo, porque constantemente as propagandas mostram como é fácil ter determinado item, é como se fosse só pegar e ir embora. Então, pode gerar uma crença de desvalor, de se perceber inferior aos outros, de não se ver benquisto, valorizado diante da sociedade, o que prejudica a autoestima, a autoimagem. No entanto, ouvir um “não” e ter frustração é necessário, é um ato de amor. Mas tudo tem que ser dosado.
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