Malte pilsen: a PROTESTE avaliou

Malte pilsen: a PROTESTE avaliou

Resultado da qualidade e a segurança de seis marcas desse ingrediente essencial à fabricação de cervejas, para orientar os pequenos e médios fabricantes.

Segundo a legislação brasileira, toda cerveja precisa ter 55% em peso de cevada malteada1. Trata-se do grão de cevada submetido ao processo de malteação, passando a ser chamado de malte, sendo um dos mais comuns o do tipo pilsen (veja como isso acontece na pág. 21). Esse é um dos ingredientes principais para se fabricar a bebida, cujo tipo mais vendido no Brasil é a cerveja pilsen. Para comprar o malte, os cervejeiros precisam optar por um que seja de qualidade, para garantir o sucesso do produto final.

Grandes cervejarias possuem laboratórios próprios – e até fabricações próprias de malte – para atestar as boas propriedades do ingrediente. Mas os pequenos e médios fabricantes só costumam contar com os laudos analíticos apresentados pelos fabricantes, nos quais precisam confiar. Foi por isso que a PROTESTE decidiu avaliar em laboratório a veracidade das informações de lotes de seis marcas de malte pilsen, a fim de identificar a confiabilidade dos parâmetros de qualidade apresentados nos laudos e quais as etapas de processo que poderão ser afetados com os requisitos fora de conformidade.

Foram levados ao laboratório lotes das seguintes marcas: Agraria, Blumenau, Gourmet Malz, Raos, Uma Malta e Weyermann. Entre eles, três alcançaram excelência em sua qualidade e foram totalmente coerentes aos resultados emitidos pelos fabricantes nos laudos. Dois se mostraram de boa qualidade e o lote da marca Raos apresentou o maior número de inconformidades entre os maltes testados, podendo comprometer os processos fabris de cervejas.

Porém, Gilberto Tarantino, presidente da Associação Brasileira da Cerveja Artesanal (Abracerva) e proprietário da Cervejaria Tarantino, chama a atenção para um fato: “É bom destacar que o malte não é o que garante a qualidade do produto isoladamente. Ele é um dos fatores entre muitos, incluindo outros insumos e os processos industriais”. Ele completa dizendo que isso não quer dizer que não se deva tomar cuidado com a escolha do malte: “É fato que toda matéria-prima pode impactar tanto no padrão do produto final quanto na produtividade dentro da fábrica”. Confira as conheça as dicas de Tarantino para quem deseja empreender no mercado de cervejas artesanais, neste texto.

Rotulagem, em geral, foi bem

Nos testes de segurança, em relação à rotulagem, foram avaliados os seguintes itens: nome do fabricante, denominação de venda (grupo) e informações sobre quantidade (peso), validade e lote. Somente a marca Raos não informou a denominação de venda (malte pilsen), nem o lote e a validade no rótulo. “Essas informações só foram esclarecidas no laudo enviado pelo fabricante”, completa Mylla Moura, especialista PROTESTE. Já em relação à microbiologia, foi verificado que as concentrações de toxinas admissíveis no malte estavam de acordo com o que estabelece a legislação.

Quanto às verificações da qualidade, em alguns deles, também não foram encontrados problemas: análises de umidade (fator determinante para a vida útil no armazenamento), impurezas, matérias estranhas e grãos avariados. Todas as amostras dos lotes testados apresentaram os resultados conforme especificação estabelecida pela legislação3 para a classificação dos maltes de cevada, gupo pilsen e tipo único.

Quanto maior peso hectolitro, melhor

Outra importante análise da qualidade diz respeito ao peso do hectolitro, que é uma medida de densidade. “Acredita-se que qualquer fator que afete o transporte de nutrientes para o grão ou degrade a sua integridade pode reduzir esse peso. Amostras de cevada com alto peso de hectolitro indicam grãos saudáveis, com bom desempenho no processo de maltagem”, explica Mylla. E esses altos valores indicam que há a presença de mais substâncias “aproveitáveis” graças à integridade dos grãos, podendo proporcionar um maior rendimento no extrato de malte.

Nesse parâmetro, as amostras fornecidas pela Raos Malteria e pela Gourmet Malz decepcionaram, apresentando valores inferiores ao mínimo estabelecida na legislação4. “Por conta disso, em se tratando de malte de cevada do tipo pilsen, o correto seria vir a denominação ‘fora do tipo’ na embalagem dessas marcas”, alerta a especialista PROTESTE .

Já nos lotes dos fornecedores Agraria, Blumenau, Uma Malta e Weyermann, a associação encontrou resultados superiores ao valor mínimo indicado na legislação. E o destaque nisso ficou com o trio que alcançou nota máxima em todos os parâmetros desta avaliação, recebendo, por isso, o título de melhores do teste: Agraria, Uma Malta e Weyermann.

Análises profundas da qualidade

Ainda para comprovar a qualidade dos produtos, outras análises foram feitas – e se não estiverem em conformidade, podem afetar o resultado final da bebida. Foram elas: extrato de moagem fina (impacta em todo o processo de fabricação da cerveja); diferença de extrato (compromete o rendimento); tempo de sacarificação (atrapalha na fermentação, na maturação e na filtração, e favorece a contaminação por micro-organismos); proteínas totais e proteínas solúveis (podem deixar o mosto pobre de substâncias nitrogenadas que interferem na formação da espuma e no ‘corpo’ da cerveja); índice de Hartong (afeta as condições do processo de malteação); cor do mosto e cor do mosto após fervura (interferem na cor final da cerveja); e grãos vitrosos (por serem não malteados, duros, de difícil moagemtornam a filtração do mosto e de cervejas mais lenta, devido ao aumento da viscosidade, além da redução do rendimento da fabricação).

No lote do malte produzido pela Raos, foram encontrados os maiores comprometimentos em extrato de moagem fina, diferença de extrato, grãos friáveis e vitrosos, proteínas totais e índice de Kolbach. “Os resultados de tantos parâmetros fora de especificação faz sentido, porque estão todos interligados. E o baixo peso hectolitro já era um sinal de que poderia haver problemas na moagem fina”, explica Mylla.

Outros resultados não satisfatórios desse lote foram relacionados às proteínas e ao tempo de sacarificação (período que o amido leva para se transformar em açúcares durante a maceração). Um bom malte sacarifica em menos de dez minutos, e o lote da Raos ultrapassou esse tempo. O índice de Hartong, nessa marca, também apresentou valores abaixo do mínimo desejável, o que pode afetar, de uma maneira geral, a qualidade do processo e a qualidade final do produto.

No lote do malte Blumenau, os maiores problemas encontrados foram na diferença de extrato, no tempo de sacarificação e nos grãos vidrosos. E a amostra da Gourmet Malz deixou a desejar, também, no extrato de moagem fina, no tempo de sacarificação e nos grãos friáveis.

Problemas afetam o resultado

Os resultados obtidos nessas três lotes podem impactar negativamente a produção de cervejas. Porém, o da Raos é o que oferece o maior risco de isso acontecer. Ainda assim, a Gourmet Malz ficou bem pontuada no geral e recebeu o título de escolha certa.

O presidente da Abracerva também dá dicas para diminuir os problemas na escolha de um bom malte: “Para as cervejarias, ao comprarem de um fornecedor em escala, a sugestão é ficarem atentas a laudos disponibilizados pelo fornecedor ou maltaria e a informações como data de validade”.

Exija o laudo técnico

Ao comprar o malte pilsen, é muito importante receber o laudo de qualidade (laudo analítico) do lote adquirido. Se ele não for entregue, procure na embalagem (nas sacas de ráfia de 25 kg) por um QR Code para download do laudo ou pelas instruções para seu recebimento. E mesmo que não haja, solicite sempre ao fornecedor. Quanto menor a estrutura da cervejaria, mais difícil é o acesso a equipamentos e instrumentos laboratoriais para certificar os resultados dos laudos e a confiabilidade do malte. Essa deveria ser uma ação de verificação contemplada nas Boas Práticas de Fabricação.

 

Mercado a ser explorado

Antes da pandemia, o mercado de cervejas artesanais estava bem mais aquecido: de 2018 para 2019, o crescimento foi de 36%, com 320 novas fábricas, de acordo com o Anuário da Cerveja divulgado pelo Ministério da Agricultura. De 2020 para 2021, (como foi visto na pág. 20), somente outras 166 cervejarias foram registradas. Mas isso não significa que não haja espaço para crescer. “Hoje, 85% das cervejarias artesanais estão localizadas nas regiões Sul e Sudeste, sendo o restante no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Só aí temos um enorme mercado a ser explorado”, estimula Gilberto Tarantino, presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva).

Mas ele também é realista: “Mesmo havendo um mercado muito promissor nos demais estados, é bom saber que está muito competitivo e as margens de lucro se encontram bastante apertadas devido ao aumento de custos de insumos e à queda no poder de compra
da população”.

Investimentos podem ser altos

O especialista, que também é dono da Cervejaria Tarantino, revela que mesmo uma cervejaria pequena ou um brewpub (que é o bar que produz basicamente para consumo no estabelecimento) são empreendimentos bastante intensivos de capital e que devem seguir normas de diversos órgãos, como as companhias ambientais dos diferentes estados, e serem aprovados pelo Ministério da Agricultura. “Ou seja, a profissionalização exige investimento e um processo de regulamentação, pois não é permitida a venda de produtos sem registro. Até por isso é um negócio em que não há espaço para aventura. Costumo dizer que a paixão é fundamental no nosso segmento e, inclusive, foi o que me fez entrar nesse universo. Mas o que mantém um empreendedor no mercado é um bom plano de negócios aliado à gestão de qualidade”, orienta o presidente da Abracerva.

Tarantino diz que uma sugestão para quem pretende ter uma fábrica que comercialize suas próprias marcas é iniciar como um cervejeiro cigano. “Nessa modalidade, o empresário contrata uma fábrica já constituída para produzir seu produto e ele fica responsável por todo o processo comercial, inclusive com boa parte das obrigações tributárias. É um excelente teste para conhecer na prática o mercado, com um investimento bem menor”, explica.

Esse caminho, porém, não dispensa o roteiro básico que o empreendedor do ramo de cervejas artesanais precisa cumprir: “Conheça o mercado onde quer atuar, faça um plano de negócio completo, com investimento inicial, capital de giro, volume estimado de venda, margem, perfil de produto, recursos humanos, comunicação e marketing. Caso não tenha vivência aprofundada no mercado, a recomendação é contratar consultores tanto na frente fabril como de gestão, tributos e comunicação do produto”, orienta Tarantino.

Outra atitude importante é participar de associações, como a Abracerva, ou associações locais e regionais. Neste ano, a Abracerva realizará mais quatro congressos (o primeiro foi em julho, em Vitória): em agosto, em Salvador; em setembro, em Brasília; em outubro, em Belém; e em novembro, em Curitiba. “Certamente, é uma forma de conhecer os desafios do mercado, inclusive questões tributárias e regulatórias”, convida
o presidente.

Como ser um cervejeiro

Para quem simpatiza com a ideia de fabricar a sua própria cerveja e, futuramente, vendê-la, é preciso estudar. Entenda, inicialmente, que mestre cervejeiro é uma função dentro da cervejaria, e não uma formação específica. “Não existe, por exemplo, um curso que forme esse profissional. No nível de graduação, formações como engenharia de alimentos, engenharia química ou química certamente darão uma excelente base ao profissional, até para ele ser um responsável técnico”, explica Tarantino.

Para aprender a produzir cervejas artesanais, também é possível fazer um curso de nível técnico. “Existem cursos de Técnico Cervejeiro, inclusive reconhecidos pelo MEC. Normalmente, os profissionais ganham experiência trabalhando na produção, até atingirem um cargo de liderança e gerência”, finaliza o presidente da Abracerva.

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