Senacon notifica fabricantes de celular por aplicativos de apostas em aparelhos novos

Senacon notifica fabricantes de celular por aplicativos de apostas em aparelhos novos

As empresas são acusadas de negociar com as casas de apostas para vender os aparelhos já com o aplicativo. Veja repercussões e perigos

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) notificou, no último mês, oito empresas fabricantes de celular para prestarem explicações sobre a possível pré-instalação de aplicativos de apostas em aparelhos novos. As notificações foram emitidas pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) e pedem que as empresas esclareçam a existência de possíveis acordos entre fabricantes de celulares e empresas do setor de jogos de azar.

As empresas notificadas foram: Samsung Brasil, DL Comércio e Indústria de Produtos Eletrônicos (distribuidora da Xiaomi), LG Brasil, Motorola Mobility, Positivo, Multilaser, TCL Semp Eletrônicos e Asus Brasil. Agora, elas devem prestar esclarecimentos à Senacon.

Em entrevista à Agência Brasil, o secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous explicou que a possível pré-instalação desses jogos nos celulares pode ser vista como uma prática abusiva, “Não podemos permitir que empresas violem o direito à liberdade de escolha e à informação clara. A pré-instalação de aplicativos, sem o devido consentimento e transparência, pode configurar uma prática abusiva, especialmente quando afeta consumidores mais vulneráveis, como crianças e idosos”, aponta.

Quando falamos especificamente de jogos de aposta, a questão vai além de apenas aplicativos pré-instalados nos celulares, uma vez que esses jogos estão fortemente ligados ao vício e a possíveis endividamentos.

De acordo com um levantamento divulgado no dia 1° de outubro deste ano pelo Instituto DataSenado, 42% dos brasileiros que dizem ter gastado alguma quantia em apostas esportivas ao longo de um mês, estavam endividados.

E não para por aí, um estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), em parceria com a AGP Pesquisas, mostrou que 63% de quem aposta no país teve parte da renda comprometida com as bets. Outros 19% pararam de fazer compras no mercado e 11% não gastaram com saúde e medicamentos.

A psicanalista multidisciplinar Raquel Junqueira explica que as famosas bets trazem a mesma sensação de compensação (que frequentemente pode levar a um vício) que as antigas casas de apostas e cassinos. “Do ponto de vista psicológico, o hábito de jogar pode simbolizar poder, controle ou até mesmo representar conflitos com figuras parentais (por exemplo, a necessidade de desafiar a autoridade ou provar a própria capacidade)”, explica.

Senacon notifica fabricantes de celular por aplicativos de apostas em aparelhos novos

Senacon notifica fabricantes de celular por aplicativos de apostas em aparelhos novos (Imagem: Freepik)

Apostas e o perigo do vício

Dados da pesquisa “Epidemia das Bets”, do Instituto Locomotiva apontam que 51% dos brasileiros que apostam sentem aumento de sintomas ansiosos. Além disso, a pesquisa revela que 42% desse público usam esse vício como uma fuga ilusória das dificuldades cotidianas, mas, ao invés de aliviar o estresse, aprofunda-o com sensações de impotência e isolamento.

Raquel Junqueira afirma que a psicanálise explica essa sensação de preenchimento que os jogadores buscam ao acessar essas plataformas. “A prática de jogar pode ser uma tentativa de preencher um vazio emocional ou lidar com questões como depressão e ansiedade”, aponta.

Ao entrar cada vez mais nos jogos e não sentir-se “curado” dessas sensações, a tendência é que o usuário continue jogando e apostando, para tentar chegar no que considera ser um êxito. É aí, muitas vezes, que o vício começa.

“Precisamos entender que ao iniciar nos jogos de azar, a pessoa acredita, ainda que em menor escala, que tem chances de ganhar. Essa esperança e animação vão crescendo e são combustíveis para uma pessoa que já tem uma tendência ao vício em jogos e que se apropria de muitas desculpas para apostar e ganhar dinheiro. Um jogador pode negar o impacto de suas perdas ou racionalizar as apostas como uma forma de ‘investimento’”, explica.

Sensação equívoca de dinheiro fácil

Ainda segundo dados do Instituto Locomotiva, 53% das pessoas que fazem apostas online buscam ganhar dinheiro. Essa tentativa, no entanto, na maioria das vezes não é correspondida, uma vez que esses sites costumam ser feitos para ganhar dinheiro, não distribuí-lo.

Na esperança de conseguir seu lucro, boa parte dos jogadores acabam apostando mais de uma vez, seja com o dinheiro que ganhou ou com o dinheiro que não tem. É aí que entramos em outros dados importantes.

A pesquisa apontou que 86% das pessoas que apostam têm dívida e que 64% estão negativados na Serasa. Do universo de pessoas endividadas e inadimplentes no Brasil, 31% jogam nas bets. Ou seja, boa parte das pessoas que estão entrando nessas plataformas enxergam o jogo como uma possibilidade de conseguir dinheiro para pagar dívidas e, no fim, a maioria acaba apenas perdendo mais dinheiro.

E é assim que o ciclo vicioso citado anteriormente se completa: o usuário entra na plataforma para conseguir dinheiro e pagar dívidas, ao não conseguir, não admite uma falha e tenta de novo. Ou, quando consegue, quer continuar apostando para conseguir aumentar o valor ganhado, o que raramente acontece. E aí segue fazendo mais e mais apostas, na esperança de alguma delas ser lucrativa e, assim, fazer valer o dinheiro perdido no começo.

Futuro das empresas notificadas

As empresas notificadas pela Senacon por supostamente estarem vendendo celulares com aplicativos de apostas pré-instalados devem agora responder essas notificações, se não estarão sujeitas a sanções com multa e processo administrativo, conforme prevê o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Os questionamentos feitos pela Senacon foram:

  • Os novos celulares estão sendo comercializados com aplicativos de apostas pré-instalados?
  • Quais são os jogos de apostas pré-instalados, caso a resposta seja afirmativa?
  • A fabricante tem algum contrato ou acordo comercial com empresas de apostas para comercializar celulares com esses aplicativos?

Caso existam acordos entre as bets e as fabricantes de celulares, a Senacon pede os demais esclarecimentos:

  • Quais os termos dos contratos firmados?
  • Os consumidores estão sendo informados de forma clara sobre os seus direitos, as condições e os termos de uso dos aplicativos, bem como os riscos de endividamento e de ludopatia associados às apostas?
  • Existem mecanismos para impedir o uso desses aplicativos por crianças, adolescentes ou outros grupos vulneráveis, como idosos e pessoas com dependência em jogos?

Vício em apostas: como buscar ajuda

Se você ou pessoas que você conheça esteja enfrentando problemas com vícios, seja ele em apostas ou qualquer outro, não exite em buscar ajuda. A profissional listou algumas formas para conseguir quebrar o ciclo:

  1. Ouça pessoas que te amam: quem está de fora, observando seu comportamento, poderá ter um papel essencial para que o vício seja percebido por você. Ainda que seja difícil, busque ouvir pessoas queridas;
  2.  Busque ajuda profissional: o endividamento causado por jogos de apostas é frequentemente resultado de uma combinação de impulsividade, ilusão de controle e distorções cognitivas. Não é algo simples, não é falta de vergonha na cara,é uma dependência. Por isso, esse vício precisa ser encarado como um problema que requer ajuda profissional: psicanalistas, psicólogos (com a terapia cognitivo-comportamental), grupos de apoio para compartilhar experiências e anseios.
  3. Fuja dos gatilhos para as apostas: desinstalar aplicativos de jogos e evitar ler e assistir conteúdos sobre o assunto é um passo importante. Além disso, busque ocupar a mente com outras formas de lazer e prazer, substituindo o tempo que antes dedicava ao vício, por essa nova atividade.

Já reparou? 

A PROTESTE é a maior associação de defesa do consumidor da América Latina e, como parte de seu propósito, está sempre atenta às necessidades do mercado brasileiro. Recentemente, lançamos a campanha Já Reparou?, que visa garantir aos consumidores o Direito de Reparo de seus produtos eletrônicos de forma acessível.

A iniciativa busca combater práticas de alguns fabricantes que limitam o reparo de aparelhos ao bloquear o uso de componentes que não sejam originais ou instalados por oficinas credenciadas. Você pode participar dessa ação e colaborar com essa conquista – acesse o site jareparou.com.br, assine e garanta esse direito. Essa vitória, entre outras coisas, amplia a aquisição de peças e manuais, reduzindo o custo de consertos para o consumidor e incentivando a sustenabilidade.