A Desjudicialização como acesso à justiça pelos consumidores

A Desjudicialização como acesso à justiça pelos consumidores

Na década de 80, a nova constituição trouxe consigo diversos instrumentos de acesso à Justiça por parte dos cidadãos brasileiros. Com isso, permitiu-se maior assistência judiciária aos consumidores. Alguns anos depois, viriam a compor o direito brasileiro o Código de Defesa do Consumidor e a Lei dos Juizados Especiais. Atualmente, tais medidas se mostram importantes, mas não suficientes para ampliar o acesso à Justiça pelos consumidores, surgindo novos instrumentos de desjudicialização na composição dos litígios. É o caso da Lei de Mediação ou dos órgãos de defesa do consumidor, como a PROTESTE.

A Constituição Federal de 1988 assegura a todos os cidadãos o direito de petição aos Poderes Públicos na defesa de seus direitos. Além disso, determina que o que o Estado deve prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovam insuficiência de recurso. Para dar efetividade à demanda jurisdicional em um país com dimensões continentais, criou-se a Defensoria Pública como instituição pronta a: a) prestar orientação jurídica; b) promover os direitos humanos; c) promover a defesa judicial e extrajudicial dos indivíduos.

O crescimento latente de demandas no Poder Judiciário culminou em grande demora na solução dos conflitos, que passaram a tramitar durante muitos anos. Esse cenário suscitou a necessidade da criação de uma outra instituição, pautada pela efetividade na conclusão dos conflitos. É então em 1995 que é criado o Juizado Especial, órgão da justiça que visou ampliar o acesso sem advogado ou defensor público dos cidadãos, orientado pela simplicidade e celeridade, buscando sempre que possível o acordo entre as partes.

Com a criação do JEC, os consumidores puderam mobilizar os direitos previstos 5 anos anteriormente no Código de Defesa do Consumidor. Desde então, diversas demandas de menor complexidade passaram a ser levadas ao juizado.

No entanto, o CDC também resguardou em seu artigo 6º o direito do consumidor de acessar os órgãos administrativos na prevenção ou reparação de eventuais danos. Nesse sentido, foi criado o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, em que não só entidades públicas como também privadas puderam compor uma estrutura descentralizada de proteção ao consumidor.

A partir de então, os consumidores passaram a contar com diversos órgãos na proteção de seus direitos. A criação dos PROCONS, por exemplo, indicou um caminho para a solução extrajudicial dos conflitos. Como entidade privada, a PROTESTE vêm atuando na defesa do consumidor desde 2001, compondo a maior associação privada desse gênero na América Latina.

De certa forma, a criação dessas novas regras jurídicas compôs a roupagem necessária para que os direitos pudessem ser mobilizados por parte dos consumidores, que passaram a judicializar seus casos com mais frequência. O resultado desse cenário foi o aumento expressivo de casos no Poder Judiciário, que, embora contasse com instrumentos como o JEC para dar mais agilidade aos processos, ficou inflado com a quantidade de demandas levadas. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2020 o Direito do Consumidor foi principal tema levado aos Juizados Especiais Cíveis. Além disso, a pesquisa indicou que processos demoraram em média de 2 a 5 anos de duração na Justiça Estadual[1].

Nesse cenário, as autoridades públicas revisitaram a importância de o acesso à Justiça configurar não só acesso ao Judiciário, como também o direito de ter suas demandas resolvidas. Em 2010, o CNJ lançou uma resolução que implementava os métodos consensuais de solução de conflitos na Justiça brasileira. Cria-se nesse momento um novo paradigma em que a busca pelo acordo e solução amigável entre as partes supera a judicialização dos conflitos, de forma a entender que, independentemente do meio, o que se buscava era sua solução.

É importante ressaltar que tal cenário se tornou possível por uma mudança de perspectiva também por parte dos usuários, em especial os consumidores. Com a revolução tecnológica iniciada no século XXI, diversos instrumentos puderam ser utilizados como meio alternativo ao judiciário para conclusão das demandas. É o caso, por exemplo, de plataformas como o RECLAME, que desde 2015 já conta com mais de 150 mil casos registrados na plataforma, sendo 83% deles já finalizados.

Nessa mudança de perspectiva, a lei precisou se adequar à necessidade do consumidor de ter suas demandas solucionadas mais rapidamente. Em 2015, foi criada a Lei de Mediação, que dispôs sobre um meio de solução de controvérsias entre os indivíduos e a busca do acordo dos conflitos. A mediação é considerada atividade técnica exercida por terceiro imparcial que, após aceito pelas partes, auxilia e estimula identificação de soluções consensuais para a controvérsia. Em 26 de Junho, a Lei faz aniversário de 7 anos. A mediação passou a ser utilizada não só fora da justiça como também nos processos judiciais, sendo um grande avanço na composição mais rápidas dos problemas.

Observa-se, dessa forma, que a legislação precisou se adequar às necessidades dos consumidores, que cada vez mais buscam ter seus direitos respeitados, independente do meio para isso. A Justiça passa a ser mobilizada pelos cidadãos, mas não só ela. Os PROCONS, Ministério da Justiça e até mesmo a PROTESTE indicam novos meios para solução dos casos trazidos pelos indivíduos, configurando grande avanço para o consumidor que está em dia com seus direitos. O consumidor moderno, em especial após a pandemia, busca o local mais adequado para tratativa de seu interesse. A importância do estímulo à mediação e à composição extrajudicial conversam com a necessidade de ter suas demandas solucionadas.

Na PROTESTE, observamos muitos consumidores com problemas de consumo que não possuem tempo ou até mesmo interesse na judicialização por considerá-la ineficaz em diversos aspectos. Nosso Serviço de Defesa do Consumidor, por exemplo, costuma ser acionado nesses casos para que a intervenção com os fornecedores auxilie na solução do problema de consumo. Com mais de 70% dos casos resolvidos com sucesso, identificamos a mudança no comportamento do consumidor que cada vez mais usa instrumentos amigáveis de composição nos seus problemas.

Embora configurem instrumentos de desjudicialização, não se pode confundir a atuação de mediadores com a intervenção da PROTESTE. No caso da mediação, escolhe-se um mediador imparcial, que não tem interesse na causa. A PROTESTE, por sua vez, luta pela desjudicialização ao lado do consumidor, considerando tratar-se da parte mais vulnerável na relação de consumo. De todo modo, ambos mecanismos configuram um avanço na busca da solução amigável dos conflitos.

É preciso que as autoridades públicas sigam acompanhando a evolução dos mercados e cidadãos, de forma a tornar efetiva a proteção constitucional do consumidor pelo Estado. Se o acesso à Justiça e a criação do JEC já configuraram avanço em algum momento da história do direito do consumidor, hoje em dia a situação demanda atenção para novos meios de solução dos conflitos, em especial a solução amigável. A Lei da Mediação configura avanço fundamental nesse sentido, sendo importante que seja sempre atualizada na medida em que as necessidades de consumo forem alteradas.

[1] FONTE: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf (página 276).